Primeira viagem para outro país e uma coleção de expectativas na bagagem. Foram seis meses planejando o investimento em uma terapia especializada para nossa filha Alice, em Santiago (Chile). E não falo só de investimento financeiro, foi uma poupança afetiva também, daquelas bem robustas!
Passagens compradas, concentrador de oxigênio e baterias extras providenciadas, intensivo de terapia agendado, contagem regressiva iniciada.
No embarque, com o MEDIF devidamente preenchido e autorizado, tivemos a tranquilidade de embarcar com tudo aquilo de que precisávamos para uma viagem segura. Alice contou com o atendimento cortês da equipe de bordo e viajou com o concentrador de oxigênio estacionado embaixo de suas pernas. Felizmente sem uso! Sinal de pulmões mais maduros, de viagem planejada no tempo certo. Levamos uma almofada para ajudar no posicionamento na cadeira do avião, já que uma menina de 5 anos sem controle de cabeça e tronco dificilmente se sustenta nessas condições.
A medida do conforto foi atestada por horas de sono, revezadas com filme e música no monitor do avião. O teste do improviso ficou por conta do momento de trocar a fralda, já que o banheiro do avião não é acessível e, tampouco, acomoda uma criança com deficiência e um ajudante para momentos como esse. Ah, sejamos justos, banheiro de avião mal acomoda uma pessoa sozinha. Pit stop concluído, seguimos viagem, pousamos em segurança. Na porta do avião, a cadeira de rodas já nos esperava e, de lá, as ruas de Santiago também.
A cidade foi bastante calorosa em nossa chegada: os ponteiros marcavam mais de 30ºC, o tempo seco envolvia a pele e só escureceu depois das 21h. Com dias mais longos e céu de brigadeiro, os passeios pelas ruas, ao ar livre, se tornaram nosso principal destino. Mais do que o GPS, são indispensáveis as companhias de protetor solar e soro fisiológico para umidificar o nariz.
Santiago é uma grata surpresa no que diz respeito à acessibilidade e crianças. Muitos parques, muitas árvores, brinquedos acessíveis, calçadas largas e com rebaixamento propício aos cadeirantes, e aquela sensação de proteção que a cordilheira andina traz.
Pelas ruas, percebemos muitos outros cadeirantes (adultos e crianças), o que confirma o círculo virtuoso de que uma cidade acessível traz as pessoas para o centro, e com as pessoas ocupando os espaços públicos, a cidade precisa estar acessível. Nem tudo estava bem cuidado e disponível: houve elevadores estragados, pontos turísticos inacessíveis. A gente acaba carregando nas costas o ônus do descuido e a vontade pulsante de estar com a pequena Alice em todos os espaços que pudermos e quisermos.
A viagem segue intensa, alegre, com descobertas em cada esquina. Entre uma sessão de terapia e outra, os parques, os jardins, os balanços, os peixes, o sotaque, o colorido… tudo é cenário das infinitas possibilidades de quem tem o amor como combustível.
Por: Mariana Rosa, mãe da Alice, jornalista, autora do livro e do blog “Diário da mãe da Alice“. A pequena Alice adora aventuras, tem bom apetite e também tem paralisia cerebral. Ou seja, se deu bem no Chile.