Sobre a Parada do Orgulho LGBT em São Paulo e os bons acasos da vida
* Por Nayara Batista
Como boa ”Twitteira” que sou, havia prometido que iria na Parada SP de 2019. Essa promessa, pra mim mesma, surgiu depois que o Twitter ficou bem movimentado em 2018 com as gravações de um episódio da série Sense8. Eu já amava a série, porém fiquei extasiada quando eu vi, na Netflix, o episódio que simulava a Parada do Orgulho LGBT em São Paulo.
Me descobri gay aos 14 anos. Cresci e vivi até os meus 17 anos em uma cidade de 12 mil habitantes, e até então nunca pude vivenciar movimentos LGBTQ+. Aos 17 anos eu entrei na faculdade, e me mudei para Belo Horizonte. Apenas os 19 anos comecei a compreender os movimentos, e também a me permitir viver o estilo de vida que, na epóca, eu gostaria de ter.
Quando cismo que quero algo, eu fico extremamente entusiasmada, e faço o possível para fazer acontecer. Após a 22ª Parada LGBT, que aconteceu em São Paulo, em 2018, eu me prometi a ir na próxima. Porém, eu estava passando por um período bem difícil, e me sentia bem cansada com a rotina (trabalho + faculdade + curso), e acabei nao programando nada.
Em maio de 2019 saiu o tema da 23ª Parada do Orgulho LGBT de SP:”50 anos de Stonewall”. Sempre amei muito história! No Twitter, minha timeline só se falava disso: era vídeos prá lá, vídeos pra cá… e isso me reacendeu a vontade de viver a experiência da PARADASP.
Faltava menos de um mês para a ParadaSP acontecer. Os amigos que lá em 2018 prometeram que íamos juntos para a Parada desistiram. Mas em momento algum eu pensei em desistir. Sim, sou dessas que vai para festival sozinha. Inclusive, sempre me senti abraçada por pessoas LGBTQ+, ainda mais depois da tour do Rock in Rio 2017 – mas essa história do ”Lady Gaga: cancelado!”, a gente deixa pra depois 😉
Encontrando o voo e o lugar perfeito
Enfim, faltava menos de um mês pra Parada, eu já tinha férias programada para setembro/outubro, e não poderia abrir mão delas, pois já tinha tudo planejado para ir ao Rock In Rio 2019. Conversei com minha gestão, e consegui 7 dias de folga para junho. A LATAM estava com uma promoção de dia dos namorados para voos emitidos por milhas, aproveitei e emiti minhas passagens de ida e volta para São Paulo. Ainda não tinha feito minhas reservas de hospedagem, pois acredito que sempre devemos efetuar a compra das passagens primeiro, e, somente depois de confirmada, devemos olhar a hospedagem .
Eu, ”boca grande”, contei no trabalho que eu ia para a Parada, e duas outras amigas do trabalho animaram ir também (e foi o ínicio de uma grande tour)! Já era Junho/2019, começamos a saga de procurar a passagem barata pra elas. Encontramos passagens a R$ 89,90 pela MaxMilhas e minhas amigas compraram NA HORA!
Elas só poderiam ir para São Paulo no final de semana da Parada, então nós fizemos duas reservas pelo Airbnb. Como eu ia ficar mais dias em São Paulo, encontrei um Loft só pra mim, na Rua Avanhandava (contarei mais sobre essa rua!).
A minha reserva, para ficar junto com as meninas, foi para um apartamento localizado na Rua Augusta. Os dois imóveis eram do mesmo proprietário. Era mais barato eu alugar um lugar pra mim, e depois outro para ficar com as meninas. Quando você faz uma busca por exemplo para 3 pessoas, as diárias do local ficam muito mais cara do que para uma pessoa.
Fiquei feliz porque eu queria encontrar lugares bem próximo da Avenida Paulista, e conseguimos encontrar um lugar com a localização perfeita. Os edifícios tinham academia, piscina e tudo mais (era inverno). Como foi de última hora, os valores estavam mais altos do que quando olhei há duas semanas, mas isso não nos desanimou!. A Parada seria na Avenida Paulista, e a gente queria ficar bem pertinho. O apartamento na Rua Augusta foi um outro ACHADO! Parecia que tudo era pra acontecer mesmo.
A saga do aeroporto e a chegada em São Paulo
Vai aqui uma dica bem importante: veja se o horário do voo bate com a sua logística e orçamento. Fiquei tão empolgada com a promoção das passagens, que comprei a minha ida saindo às 05:45 da manhã, só depois de um bom tempo comprada, lembrei que pela madrugada não tinha ônibus para o aeroporto, e o Uber era mais de R$ 200,00. Como era muito caro para remarcar a passagem (mais caro que o próprio valor que paguei pelo bilhete), eu olhei o horário do último ônibus, conexão aeroporto, saindo da Rodoviária de Belo Horizonte. Eu trabalhei o dia todo, deixei para fazer a mala de última hora, cheguei na rodoviária, e SUPRISE… perdi o último ônibus. Fiquei triste por alguns segundos, afinal, o valor do ônibus era R$ 14,15.
Deixo aqui neste link os horários dos ônibus Conexão Aeroporto, para quem for embarcar ou desembarcar no aeroporto de Confins (Belo Horizonte). Os ônibus são bem confortáveis, e os funcionários da empresa tem bastante cuidado ao colocar sua mala no bagageiro.
A tristeza durou de fato alguns segundos. Eu estava em uma vibe tão boa (aquela de que a gente sabe que tá de férias, e vai viajar), que escutei um senhor falando no telefone que perdeu o ônibus. Eu perguntei se ele não queria dividir o valor do Uber até o aeroporto, ele topou na hora. 🎉 O Uber estava por quase R$ 300,00 (valor dinâmico), olhei no aplicativo da 99, e estava por R$ 140,00. A sorte estava ao meu lado, mesmo que no azar!
Chegando no aeroporto, o senhor deu uma nota de R$ 100,00, falei que ele estava dando bem mais da metade, ele falou que se fosse sozinho, ia gastar o triplo, porque ele nem conhecia o aplicativo da 99. Ok, né! Aceitei feliz, já que ele era bem teimoso, e não queria o troco. Este senhor foi conversando os quase 60 minutos de viagem até o aeroporto, eu e o motorista ficamos sabendo da vida dele quase toda. Ele falava muito sobre a importância da gente se comunicar, dos perrengues dele e da esposa em Roma, etc.
Ainda brincou comigo “Moça nova assim, viajando sozinha, me encontrou na rodoviária, e já pegou um carro com dois estranhos. Você está compartilhando sua localização com a sua mãe ai, né? Porque sei como é ter filha mulher. Eu falo pra minha filha sempre compartilhar a localização com a mãe dela… que é mais tecnológica que eu.”’ E sim, estava compartilhando a localização com a minha mãe. Infelizmente nós mulheres temos sempre que fazer isso, ainda mais quando viajamos sozinhas.
Bom, cheguei ao aeroporto: UFA! Era por volta de quase 02:00 da manhã, o aeroporto já estava super movimentado, porque foi dia de jogo no Mineirão. Era um jogo Argentina x Paraguai, disputando a Copa América. Fiquei iludida achando que ia dormir até o horário do meu voo (05:45). Era inverno, e passei um frio danado. Sentei perto de uma tomada, e fui assistir série na Netflix.
Finalmente o horário do meu embarque. Durante o voo pegamos uma chuva de raios bem fortes. Eu já tinha resfriado com o frio do aeroporto, então, chegando em São Paulo, fiquei no aeroporto esperando a chuva passar. Outro erro que cometi: ter comprado um voo para Guarulhos, e não para o aeroporto de Congonhas (que era bem mais perto). Eu ia pegar um Uber até minha hospedagem, mas estava super caro. Pensei em pesquisar sobre ônibus, e vi que em Guarulhos também tinha ônibus conexão aeroporto. Sempre busco essas coisas pelo portal do próprio aeroporto. Eu achei os horários dos onibus de Guarulhos, através do próprio site do aeroporto de guarulhos. Liguei o Google Maps, calculei as paradas, e desci do ônibus na estação mais perto do lugar que eu ia ficar, a qual também era das paradas finais do ônibus.
Desci na Estação Tatuapé, e reconheci o caminho de quando fui em São Paulo em 2014 com minha mãe. Eu tenho memória fotográfica dos lugares, então tudo torna mais fácil. De lá peguei um uber até a Rua Avanhandava, gastei cerca de R$ 20,00. Foi outro perrengue, porque o motorista não tinha troco pra R$ 100,00, e ele estava sem máquina para passar cartão. Ele andou comigo pelo bairro, e achamos um caixa eletrônico. Só nisso, já pude conhecer o bairro. 👀
Eu fiquei ENCANTADA com a Rua Avanhandava, parecia que a rua saiu de um filme. Eu nunca tinha ouvido falar sobre essa rua, nem mesmo pesquisado sobre. Tudo lá é lindo! Parece que a história da imigração italiana perpetua pela rua. Jurei que se um dia eu tiver um date, quero ter dinheiro o suficiente para ir jantar em algum restaurante italiano que tem nesta rua. A noite ela também é a coisa mais linda! Se dependesse de mim, a iluminação de todas ruas seria como a da Rua Avanhandava. Além disso, a rua é bastante arborizada, coisa que não é tão comum encontrar pelas ruas de São Paulo.
Como estava bem cansada, eu tomei um banho, e dormi por quase 12 horas. Odeio dormir muito durante viagens, pois sinto que estou perdendo o tempo que poderia estar vivenciando alguma experiência.
Aproveitei meus primeiros dias conhecendo alguns lugares e visitando meu amigo de faculdade que se mudou para São Paulo. Pelo aplicativo da Green, a gente pegou dois patinetes, e andamos cerca de 40 minutos. Ao andar de patinete pela redondezas da Av. Paulista, eu fiquei ainda mais apaixonada, porque a cidade estava tão colorida. Até os aplicativos da Yellow e da Green, estavam nas cores do arco íris. A cidade estava com o clima super diferente, de fato já estava no ritmo da ParadaSP.
Os dias antes da Parada e os acasos bons da vida
Na sexta-feira dia 21/06/2019, vivi uma experiência muito diferente. Era o dia do PARADASP – Fest, com Mel C (Spice Girls), e vários outros artistas. Faltando umas 3 horas para a festa começar, eu consegui com um colega de trabalho, uma entrada para a festa. Até então eu ia para um outro lugar com meu amigo, mas como eu nao queria perder o show da Mel C, eu fui sozinha.
Chegando lá descubro que minha entrada é para Camarote Open Bar, tudo o que uma jovem (no caso eu mesmo) de 22 anos gostaria. Foi uma festa tão linda! Meu amigo me mandou mensagem falando que nao ia conseguir chegar a tempo. Eu já tinha bebido uns bons drinks, então nem me importei. Estava em um camarote com várias pessoas e Influencers que eu nem conhecia. Tinha alguns adesivos sendo distribuídos que pareciam tatuagens de chiclete (guardei vários na bolsa para usar no dia da PARADASP).
O bom de ficar sozinha às vezes é que você se permite a aproximar mais de outras pessoas. Neste dia eu conheci pessoas como o Diva Depressão (Filipe e Eduardo), Lorelay Fox, e várias outras pessoas que são bem atuantes na discussão de pautas LGBTQ+. Lembro que este dia foi tão aleatório da minha vida, que definitivamente a palavra ACASO define esta minha viagem. Neste dia conheci também o grupo musical ”Donas”’; elas marcaram tanto minha experiência na PARADASP, que na minha Playlist, toda vez que toca alguma música delas, me vem toda a memória deste dia.
Bom, cheguei no Loft e já era manhã (acordei lotada das “tatuagens”, que nem lembrava de ter colocado tantas).
Era dia de ir para a outra hospedagem, na Rua Augusta. Encontrei com minhas amigas no Shopping Frei Caneca, e como boas mineiras, as meninas já chegaram sedentas no Starbucks. Uma de minhas amigas comprou a blusa do Starbucks exclusiva para o mês de junho. Eu achei impressionante como as marcas estavam engajadas com o movimento.
Como o horário para fazer o check-in no apartamento da Rua Augusta era as 14:00, a gente foi para a Livraria Cultura (eu passaria o dia todinho lá dentro). Foi um pequeno perrengue nós todas estávamos carregando malas, e andando pela Paulista. Minha amiga ainda é parada para dar uma entrevista para um programa de TV, sobre uma pauta que estava bem polêmica na época: um jogador de futebol estava sendo acusado de estupro. A pauta era se a mulher estava ou não mentindo. 😣
Fomos fazer o check-in, e tivemos um problema quanto a limpeza do apartamento. Tivemos que voltar mais tarde, porém deixamos nossas malas no apartamento. Fomos para conhecer o MASP, e chegando lá, outro acaso: estava começando a Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais!
A gente entrou no meio e só foi seguindo. Ficamos impressionadas com a diversidade, em como tinha uma pluralidade de mulheres, todas bem diferentes, com seu estilo e jeito de ser bem fora do padrão. Foi super leve! As pautas abordadas eram tão fortes, que eu sentia a vibração das vozes daquelas mulheres. Foi como se estivesse cantando um hino pela diversidade. De repente já estava anoitecendo, e eu estava totalmente sem noção do tempo.
Fomos ao apartamento, descansamos, e decidimos que íamos para alguma balada. Escolhemos ir para a Tokyo, que é uma balada + karaokê. Como Belo Horizonte não é uma cidade tão noturna, a gente ficou impressionada que já eram seis horas da manhã e a balada ainda estava cheia. A Tokyo é um lugar que aparentemente é frequentada por pessoas mais jovens. A entrada foi R$ 40,00, a balada fica em um edifício, e cada andar tem uma ambientação. Eu achei bem okay os preços, pois é bem parecido com os preços das baladas de BH.
Chegamos em casa pela manhã, em alguma horas já era a hora da concentração da 23ª Parada do Orgulho LGBT de SP.
O dia da 23° Parada do Orgulho LGBT de São Paulo
Dormimos, e acordamos bem em cima da hora. Ainda fomos comer em uma rua que parecia uma vila. O lugar cortava a Rua Augusta, com uma outra rua paralela. Como estávamos hospedadas na Rua Augusta, assim que a gente saiu do edifício, a gente já sentiu uma enorme energia nas redondezas.
Tudo estava leve. Era como se tudo fosse nosso, aquela sensação de se sentir pertencente. As ruas estavam todas lindas, e alegres. As pessoas estavam muito felizes. Neste momento eu entendi que realmente era uma celebração só por existir.
Tudo foi tão rápido, que a gente não tinha olhado a programação da parada. Alguns colegas de trabalho estavam no Trio eletrétrico que estava a Mel C, e óbvio que a gente inicialmente queria ir no trio.
Mas, quando eu vi que ao meu lado estava passando um trio com a Iza cantando, várias pessoas com cartazes como ”Meu corpo preto (R)existe”, eu senti que era um momento para ser inclusivo, e não participativo. Nós nos jogamos no meio da multidão, e do nada vejo Luísa Sonsa em outro trio… ainda comentei “Gente, parece a Luísa Sonsa”, e era ela mesmo. 😅
O lado bom de ir sem saber a programação, é que você é surpreendido a todo momento. Todos os trios foram surpresa para a gente. Como nunca tínhamos ido até a ParadaSP, achamos tudo bem grandioso, se nao me engano eram 19 trios elétricos. Eu cheguei a me emocionar quando o Lulu Santos falou que éramos 3 milhões de pessoas. Quando ele começou a cantar em seguida a música Tempos Modernos, eu comecei a olhar a minha volta… já era tardezinha, o sol estava refletindo no Trio em que Lulu estava, e não tinha música melhor para passar um filme na minha cabeça, sobre de onde eu vi, o que eu passei, e o que eu sou hoje.
Muitas pessoas que dialogam com a heteronormatividade, falam que a ParadaSP é um ”carnaval para gays”, e talvez seja mesmo. Mas um carnaval que seria o ideal, onde corpos poderiam ocupar lugares e se sentir pertencidos. Onde é a prioridade o respeito pelo outro.
A ParadaSP tem uma programação incrível. Além do encontro que (antes da pandemia) acontece na Avenida Paulista, há vários outros encontros que antecedem a Parada, e que trazem discussões bem importantes. Vejo que a ParadaSp é um espaço para que as bandeiras possam dialogar entre si; a troca é riquíssima.
Como conheci o movimento de verdade no ano passado, eu não pesquisei a programação antes de ir. E , por mais que seja triste não ter o encontro na Paulista, neste ano, estou acompanhando a programação através do Instagram da PARADASP. Por lá eles postam a programação de diversos encontros virtuais, com pautas que podem nos tornar muito mais inclusivos. Podemos aproveitar o mês de Junho, que afinal é o mês em que se celebra, em todo o mundo, o Orgulho LGBTQIA+, e procurar a sempre aprender mais e mais.
Acredito que quando compreendemos o outro, estamos compreendendo a nós mesmos. Compreender a pluralidade do mundo é estar apto para tornar nossa sociedade, cada vez mais, um lugar acessível para todas as diversidades.
* Nayara é nossa Analista de Customer Success e especialista em viagens. Graduanda em Cinema e Audiovisual, acredita que viver experiências ao máximo é a melhor forma de aproveitar nossa passagem breve pelo mundo!