Um domingo no Minhocão, em São Paulo

Sábado, 21h35: ciclistas e skatistas esperam impacientemente pelos guardinhas da CET (que gerencia o trânsito em São Paulo), que já estão 5 minutos atrasados. Aos poucos, o fluxo de carros vai diminuindo e lá vem a caminhonete branca piscando luz laranja, com os cones para interditar a via. Pronto, agora o Minhocão é das pessoas não-motorizadas até as 6h30 da manhã de segunda-feira. As horas passam e o viaduto vai enchendo, ganhando uma vida que não existe de segunda a sábado das 6h30 às 21h30, quando está aberto para carros.

O Minhocão foi inaugurado em 1970, ele conecta o bairro de Perdizes, na Zona Oeste, com o centrão de SP, desembocando na Praça Roosevelt. São 3,5 km de extensão de um viaduto enorme, que às vezes passa a apenas 5 metros de distância do 3º ou 4º andar dos prédios que já estavam ali antes de sua construção. Dá pra ver TV junto com os moradores, eles em casa e a gente na rua, andando de bike, skate, patins, passeando com o cachorro, fofocando com as amigas, paquerando, tomando sol, vendendo artesanato, roupa, brigadeiro, tocando música autoral e cover, dançando por dinheiro e/ou por diversão. De segunda a sábado, de 6h30 às 21h30, os moradores dividem sua TV com os motoristas estressados no trânsito provavelmente parado e com a fumaça de poluição que vem com eles.

Solução de tráfego obsoleta já no momento de sua construção, o Minhocão terá um dos dois destinos: se tornar um parque suspenso, como o Highline em NY, ou ser demolido para devolver luz e vida às ruas sobre as quais passa. Enquanto espera por um veredito, o Parque Minhocão vai se construindo pelas beiradas, colaborativamente. A mudança é inevitável e está sendo empurrada pelos cidadãos, pelos que não têm problema em se sentar no asfalto nu enquanto os bancos de parque não vêm.

Suas curvas cinzentas conquistam moradores de perto e de longe. Seduz turistas a caminhar por suas vias largas de asfalto bem feito que mostram um panorama do centro de São Paulo – um centro de domingo, centro vazio, silencioso. O Minhocão, antes mesmo de virar parque, já abrigou feira gastronômica, festa junina, festa de verão com piscina, trajeto de bicicletada, da Maratona São Silveste, palco da Virada Cultural, da Virada Esportiva, da Virada Zen. Seu nome, que antes homenageava um general da ditadura, passou a ser o do presidente que foi derrubado pelo Golpe Militar.

Eu, pessoalmente, prefiro o Parque Minhocão à sua demolição. Não entendo muito de urbanismo nem engenharia, mas adoro passear pelo elevado quando ele está cheio de gente, adoro pedalar ou caminhar pelos seus 3,5 km, observar a cidade de cima, bisbilhotar a decoração dos apês que estão com as janelas abertas, ler os grafites e cartazes colados pelo espaço, colocados ali para serem lidos de longe e de perto. No meu sonho para o Parque, em poucos anos todos os apês mais próximos ao elevado terão se tornado espaços culturais integrados a ele, se tornarão ponto nobre da cidade, e o asfalto do Minhocão vai estar coberto de plantas. Mas ainda falta muito chão para chegar ao modelo ideal de ocupação. Se um dia chegar, é preciso encarar as promessas políticas com ceticismo.

Enquanto não existe um Parque Minhocão Oficial, se tiver um tempinho sobrando em São Paulo, seja domingo durante o dia ou qualquer noite de céu aberto, sugiro que você vá visitar esse espaço em transição da cidade. O Minhocão é ao mesmo tempo horrendo e maravilhoso, depende do uso, da hora, da perspectiva. Vá sozinho ou com um amigo, alugue uma bicicleta, leve umas cervejas, comidinhas, toalha xadrez, máquina fotográfica. Ou não leve nada além dos sentidos atentos. Dá pra passar uma tarde inteira lá em cima, mas meia hora já é suficiente para (re)conhecer o lugar. Em 10 anos vai dar pra pagar de hipster: “passeei pelo Minhocão antes de virar parque. E já era muito legal”.

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