Santiago acessível: Estamos a bordo!
Viajar de avião junto a uma criança com deficiência exige uma dose extra de paciência e bom humor. Do contrário, é provável que o estresse se instale antes que você tenha a chance de desfrutar a viagem.
Começamos pelo MEDIF (Medical Information Form), documento que deve ser preenchido caso haja alguma necessidade específica relacionada à saúde do passageiro. No caso de minha filha Alice, o envio do MEDIF se faz necessário para garantir que ela possa voar com suporte de um concentrador de oxigênio exclusivo a bordo. Isto porque, em razão de sua prematuridade extrema, a pequena tem pulmões frágeis, que apresentam dificuldade em manter a oxigenação quando ganham altitude. O MEDIF é preenchido e assinado por um médico responsável e precisa ser validado pela companhia aérea. Via de regra, isso acontece rapidamente, mas há que se lidar com a incerteza sobre a aprovação ou não do documento e liberação para o voo.
Vencida esta etapa, vem o check in. Parece difícil de acreditar, mas a verdade é que muitas equipes de solo ainda estão pouco habituadas às viagens de pessoas com deficiência. Isso significa que, às vezes, é preciso responder perguntas óbvias, como por exemplo “a senhora vai despachar a cadeira junto com as malas?”, ou ainda explicar o procedimento para quem deveria prestar a assistência. Mas, como disse, com paciência e bom humor, avançamos mais esta etapa com sucesso.
O embarque prioritário é garantido por lei e, na porta da aeronave, a cadeira de rodas é despachada, enquanto nós levamos no colo nossa filhota até o assento (por enquanto, ainda dá para ir no colo). A acomodação na cadeira do avião exige algumas adaptações, que dependem do suporte da empresa aérea e da proatividade da família. Um cinto de três pontas é disponibilizado, o que é muito útil para quem não tem controle cervical ou de tronco. Mas para garantir ainda mais conforto e segurança a bordo, levamos também uma almofada, que ajusta a manter a postura e aconchega. Sem ela, a viagem seria mais incômoda, certamente. A equipe de bordo costuma ser solícita e especialmente atenciosa, um acolhimento que faz toda a diferença.
Devidamente assentada e posicionada, a gente se diverte com selfies, porque dá um orgulho danado perceber que as dificuldades que nos são impostas não nos limitam, nem nos impedem. O concentrador de oxigênio vai acomodado embaixo do assento, para qualquer necessidade, enquanto a gente se diverte, conta histórias, tira um cochilo ou repara a paisagem da janela.
Ih, fez cocô! E agora? A aeromoça alerta que não é permitido trocar a fralda sobre os assentos, é preciso usar o banheiro. É claro que nossa preferência é ter privacidade e dignidade para isso, mas como uma criança de cinco anos que não anda e um adulto podem se acomodar no minúsculo banheiro da aeronave para este necessário procedimento de higiene pessoal? O único suporte disponível dentro do recinto é dimensionado para bebês. Pois acaba sendo lá mesmo. Repare: você vai precisar se manter em pé, com equilíbrio nas eventuais turbulências, enquanto segura a mochila com fralda, pomada e lenços umedecidos em uma mão, mantém a criança no suporte com a outra mão, manuseia pernas, lixeira, lenços com outra mão… outra? Ih, complicou. E tome chacoalhada da aeronave e risada quando a fralda suja vai ao chão, virada para baixo, é claro… Alô, companhias aéreas, que tal melhorar a acessibilidade a bordo e garantir um ambiente adequado para estas situações? Crianças com deficiência são sujeitos, gostam de viajar e são consumidoras. Vocês já fazem o mais difícil, que é colocar o avião no ar, providenciar um espaço digno para higiene é moleza. Fica a dica!
De volta à terra firme, ao sair da aeronave, a cadeira de rodas já nos espera na porta. Ufa! Se você pesquisou sobre seu destino antes e identificou os meios de transporte, hotéis, restaurantes e espaços públicos acessíveis, agora é curtir. Foi o nosso caso.
Por: Mariana Rosa, mãe da Alice, jornalista, autora do livro e do blog “Diário da mãe da Alice“. A pequena Alice adora aventuras, tem bom apetite e também tem paralisia cerebral. Ou seja, se deu bem no Chile.