Minhas andanças pelos Andes e o que ninguém te conta sobre a altitude

*Por Paula Chaves

Em setembro de 2019 fiz um mochilão por alguns países da América do Sul junto com a minha irmã (Flávia <3). Passamos pela Bolívia, pelo Chile e por fim pelo Peru, e a experiência não poderia ter sido mais incrível: os lugares que visitamos, as pessoas que conhecemos, as paisagens que pudemos admirar… foi tudo maravilhoso! 

Mas um fato que (definitivamente) marcou essa aventura é que  eu, que sempre tento me preparar ao máximo para as viagens, fui pega de surpresa por um detalhezinho que eu jurava estar preparada para enfrentar, mas descobri estar lamentavelmente errada: a altitude!

Entrando no contexto sobre altitude

Alguns pontos importantes só pra deixar todo mundo alinhado:

  1. Quanto maior a altitude de um lugar, menor é a quantidade de oxigênio presente no ar. É o chamado ar rarefeito. Isso faz com que  a nossa respiração acabe ficando mais rápida, para que a gente consiga captar a quantidade de oxigênio que precisamos, e o nosso coração acelere, para que ele consiga enviar a quantidade certa de oxigênio para todo o corpo.
  2. Belo Horizonte, cidade em que eu vivo, tem uma altitude média de 852 metros. Bem tranquilinho, muito oxigênio por aqui 🙂
  3. A partir de aproximadamente 2.000 metros de altitude o organismo já começa a sentir alguns efeitos da falta de oxigênio (de acordo com a minha experiência recente hahahaha)

Surpresa na Bolívia

A nossa aventura começou na cidade de Sucre, na Bolívia, a 2.810 metros de altitude. 

Ao descer do avião já percebi que as coisas começaram a ficar mais difíceis quando fiquei cansada só de pegar meu mochilão, que nem estava tão pesado assim. A gente estranha um pouco, mas segue o barco! 

Ficamos menos de um dia na cidade e embarcamos em um ônibus para a cidade de Uyuni, ponto de partida para um tour de 3 dias e 2 noites no Salar de Uyuni, maior deserto de sal do mundo. Chegando lá a situação apertou mais um pouquinho. Descemos do ônibus e foi necessário andar uns 3 quarteirões até a estalagem que iria nos receber para o café da manhã. Estávamos sonolentas, cansadas por ficar 8 horas dentro de um ônibus, com os mochilões nas costas, e andar por esses 3 quarteirões foi beeeeem sofrido.

O cansaço veio muito rápido, e chegamos na estalagem sem entender o que estava acontecendo! Depois de alguns minutinhos de descanso a respiração voltou ao normal, o coração desacelerou, e o nosso amigo Google nos esclareceu: já estávamos a aproximadamente 3.650 metros de altitude. 

Esse foi o momento em que conheci uma figura que me acompanhou durante um bom tempo nessa viagem: o mal de altitude.

Faltou ar

Alta altitude - Bolívia

Cometemos um erro bobo nesse início de viagem: não fizemos a aclimatação

Sabe quando os times de futebol brasileiros vão jogar em algum lugar com altitude muito elevada e eles chegam lá uns 3 dias antes do jogo? Pois é… isso é feito para que os jogadores tenham tempo de se aclimatar. Ir muito rápido de uma cidade com altitude baixa para outra com altitude bem mais alta pode ser um problema, pois você não dá chance ao seu organismo de ir se acostumando com os efeitos da falta de oxigênio. 

E quais são esses efeitos? Bom… eles podem variar de uma pessoa para a outra e variar de intensidade também, mas os sintomas mais comuns são:

  • Dor de cabeça constante: Se há pouco oxigênio circulando no seu organismo, o cérebro vai gritar.
  • Taquicardia: É uma tentativa do nosso coração de enviar mais oxigênio pro corpo todo.
  • Enjoo: O nosso corpo já está bastante estressado… não espere que ele consiga fazer uma boa digestão nessas condições.

E como saber se você vai ou não sentir esses sintomas? Olha, isso é uma grande loteria! Vi pessoas que não sentiram absolutamente nada, e vi pessoas que ficaram mal a ponto de precisar tomar remédios todos os dias. Não tem relação com idade, sexo, preparo físico, nem nada disso… você só vai descobrir na hora. Por isso é tão importante dar ao seu corpo um tempo pra ele se acostumar. Passado esse tempo, as coisas ficam bem melhores!

Eu sabia de tudo isso? Na real… sabia. Inicialmente eu tinha planejado ficar dois dias em Sucre para a aclimatação, mas a combinação “orçamento + tempo de viagem” acabou me fazendo cortar essa parte do meu roteiro. Além disso, eu tinha esperanças de que o mal de altitude não iria me afetar tanto. 

Mas, dica importante: Não faça o que eu fiz! Mantenha o período para aclimatação no seu roteiro!

E segue o baile!

Já que não tinha como voltar atrás, tomamos vários cuidados para tentar amenizar os efeitos do mal de altitude: beber MUITA água, evitar alimentos muito pesados, beber o famoso chá de coca (ou mascar as folhas), e tomar o Soroche Pills (um remédio vendido em qualquer farmácia da Bolívia que ajuda bastante com os sintomas). Adquiridos todos esses itens, partimos para a aventura!

O passeio iniciou tranquilo, o primeiro dia foi ótimo! Os lugares que visitamos são lindos e o nosso guia era muito tranquilo e solícito. Mas à medida em que avançávamos, a altitude avançava também. 

Apesar do cansaço e das dores de cabeça, conseguimos aproveitar todos os lugares que visitamos, tiramos várias fotos e nos divertimos muito! No segundo dia a altitude pesou mais. Mas à medida que ela aumentava, a beleza dos lugares aumentava também! Lagunas lindíssimas com cores incríveis e muitos flamingos foram os principais destaques deste dia! Finalizamos o segundo dia numa altitude de aproximadamente 4.500 metros, e já sabíamos que no terceiro dia iríamos subir ainda mais.

E então, no terceiro dia, acordamos bem cedinho, às 4h da manhã, e fomos em direção aos geysers do deserto. Esse foi o ponto de altitude mais elevada de toda a viagem: pouco mais de 5.000 metros. 

Alta altitude - Bolívia

Nesse ponto o coração se mantinha acelerado constantemente, e qualquer pequeno movimento me deixava ofegante, então dei graças a Deus que ficamos pouco tempo por lá, apenas uns 10 minutinhos. Foi o suficiente para descer do carro, andar uns 20 passos em direção aos geysers, tirar uma foto (que acabou ficando bem ruim) e voltar para o carro com a sensação de que eu tinha acabado de correr 10km. 

Nessa hora até o meu nariz sangrou um pouco como consequência da altitude (pode acontecer mesmo). Minha irmã, tadinha, não teve forças nem pra sair do carro. Como eu disse, a altitude afeta cada um de forma bem diferente, e minha irmã sofreu bem mais do que eu nesse dia. Em contrapartida, os outros turistas do nosso grupo estavam super bem. 

Chi-chi-chi Le-le-le! 

Depois disso finalmente começamos a descer (ufa!) e o mal estar foi ficando pra trás. 

Atravessamos a fronteira com o Chile e chegamos em San Pedro de Atacama, a confortáveis 2.400 metros de altitude. Ficamos 4 dias por lá e durante esse período foi possível esquecer um pouco esse negócio de altitude.

Foi um passeio atrás do outro, batidão mesmo, pra conseguir aproveitar ao máximo o tempo que tínhamos e foi a melhor coisa que a gente fez! O Atacama também tem passeios incríveis que vão desde termas deliciosas até um tour astronômico impressionante. Não teve nenhum passeio que eu não tenha gostado, e a sensação ao final desse período foi de energias renovadas!

Alta altitude - Chile

Em terras peruanas

Saindo do Chile, fomos direto para Arequipa, Peru. Cidadezinha lindinha, altitude de 2.300 metros, sucesso! Dois dias de passeios em lindas praças, culinária deliciosa, clima agradável, e tempo suficiente para aprender a diferença entre lhamas e alpacas hahahaha

Na sequência fomos para Cusco, capital do antigo Império Inca e dessa vez fomos preparadas para enfrentar a altitude do lugar: 3.400 metros

Estávamos com a expectativa de voltar a sentir o cansaço fácil, a taquicardia e as dores de cabeça, mas o que aconteceu foi que a gente sentiu… nada! Como havíamos passado tanto tempo na Bolívia a altitudes bem maiores, Cusco foi tranquilo pra gente. Viu só a importância da aclimatação?!

Teste de Resistência: Laguna Humantay

Alta altitude - Peru

Nosso último dia em Cusco foi reservado para um sonho meu: subir a Laguna Humantay, uma lagoa formada com a água de degelo da neve do pico da montanha Salkantay, cuja água apresenta colorações que variam desde o verde esmeralda até o azul turquesa. Desde que vi fotos do lugar e comecei a pesquisar mais a respeito, fiquei apaixonada! 

Só um probleminha: é necessário uma caminhada de aproximadamente 3,5 km em um terreno íngreme de terra e muitas pedras para chegar até a lagoa, sendo que o ponto inicial da caminhada fica a 3.800m de altitude e o ponto final, às margens da lagoa, chega aos 4.200m. 

Não vou mentir, deu medo. Todos que fizeram esse tour voltavam falando do tanto que era difícil, mas também falavam do tanto que a lagoa é linda e de como valeu a pena. Então deixei o medo de lado e decidi ir! 

Durante os meus preparativos para subir a lagoa acabei descobrindo uma coisa incrível: o Oxishot, que é como uma bombinha de oxigênio que já vem com um aplicador. Elas são de aerossol e super indicadas para quem está sofrendo com o mal de altitude, vendidas em qualquer farmácia de Cusco. Quem me dera que tivesse Oxishot na Bolívia também…

E então chegou o grande dia. Pegamos uma van às 4h da manhã, andamos por duas horas, tomamos um café da manhã local, e seguimos por mais uma hora até chegar aos pés da montanha, onde a nossa caminhada se iniciou. Comecei a subir a montanha, parecia tranquilo, chuviscava gostoso. E a cada passo a montanha ficava mais íngreme, o terreno mais difícil e o ar mais rarefeito. 

Na metade do caminho começou a ficar realmente difícil, começou a ventar, a chuva apertou, o ar faltou, o nariz sangrou. A cada 5 passos era necessário parar para tentar recuperar o fôlego. Mascava as minhas folhinhas de coca, dava algumas inaladas no meu Oxishot, e continuava a caminhada. Cheguei a pensar que não iria conseguir, mas o guia me encorajou e meu deu forças pra continuar.  Foram quase duas horas de caminhada na subida, na montanha, sem ar, e eu só pensava “meu Deus, tem que valer a pena…”. E aí eu cheguei.

Fiquei parada por uns 10 minutos admirando a vista. Reação bem comum para todo mundo que chega lá. Uma lagoa maravilhosa refletindo diversas cores e rodeada pelos picos nevados das montanhas. Como eu disse antes, nenhuma descrição e nenhuma foto faz jus à beleza desse lugar. Valeu muito a pena!

Machu Picchu – Maravilha do mundo moderno

A última parada da viagem foi esse lugar lindo e mágico chamado Machu Picchu. Estava bem ansiosa por esse passeio, afinal adoro tudo que é relacionado a povos e civilizações antigas. Pegamos um trem de manhã cedinho partindo de Poroy (próximo de Cusco) e fomos até Águas Calientes, ou Machu Picchu Pueblo, último povoado antes de chegar de fato a Machu Picchu. E preciso dizer: esse trem é um transporte caro, mas se você puder, não perca essa oportunidade  o trajeto em si já é um passeio lindo!

Para entrar em Machu Picchu é necessário comprar ingresso. Existem alguns guias que vendem passeios já com o ingresso incluso e que você pode comprar na hora, mas eu achei meio arriscado. Existe um número máximo de turistas que podem visitar Machu Picchu por dia, então achei melhor comprar o meu ingresso com antecedência do que deixar pra comprar no dia e correr o risco de pagar um valor inflacionado ou então nem ter mais ingressos disponíveis. E pra comprar antecipado é super fácil, basta acessar o site oficial do governo do Peru para Machu Picchu. Lá tem tudo explicadinho sobre tipos de ingresso, valores e horários! 🙂

E uma surpresa super agradável: Machu Picchu tem uma altitude bem menor do que Cusco: apenas 2.430 metros! Alta altitude - Peru

Enquanto eu estava planejando a viagem, estava preocupada se teria problemas com a altitude de Machu Picchu, mas, como ficamos 5 dias em Cusco antes de ir pra lá, foi moleza pra gente! A única coisa com que nós não estávamos contando foi o calor! Acredite: chegamos lá por volta das 7h da manhã com umas 4 camadas de roupa e mesmo assim sentindo frio. Quando foi por volta das 12h, já tínhamos tirado todas as camadas, estávamos só com camisetas leves, e mesmo assim sentindo muito calor! Ou seja, uma variação de clima meio maluca.

E uma dica importante: se o seu orçamento permitir, contrate um guia para te acompanhar. Existem muitas curiosidades sobre Machu Picchu que você não vai poder apreciar sem o guia. Ele vai te falar tudo sobre como a cidade foi construída, o seu planejamento, como os Incas viviam por ali e como foi a chegada dos espanhóis. E muitas das coisas ditas e mostradas pelos guias você não vai achar em nenhuma Wikipédia.

 Balanço da Viagem

Nunca imaginei que poderia me sentir tão mal e tão bem ao mesmo tempo… Esse negócio de altitude não é brincadeira não! O ar falta, o coração acelera, a cabeça dói, o olho resseca… E aí você olha as paisagens, sente a energia do lugar, conhece pessoas maravilhosas, vive experiências incríveis… e esquece de todo o mal estar. Bolívia, Chile e Peru me surpreenderam muito com as suas paisagens indescritíveis!

Acredito que a grande lição dessa viagem em relação à altitude é: vá com calma, respeite seus limites, e permita que o seu corpo possa se acostumar às novas condições, ou seja, faça a aclimatação! Sofremos mais no início da viagem porque pulamos essa parte importante, mas depois disso foi bem mais fácil. Você ainda vai sentir os efeitos da altitude depois da aclimatação, mas serão efeitos bem mais brandos e tranquilos. 

Foi difícil? Foi. Faria tudo de novo? Com certeza!

 

*Paula Chaves é PMO na MaxMilhas, especialista em viagens e queria muito ter levado uma lhama ou uma alpaca pra casa… elas são tão fofinhas!

Deixe um Comentário